A VIDA DE BOB DEAN - fragmento II parte final


Fragmento II
Parte Final
Copos descartáveis e garrafas se amontoam por quase todos os cômodos. A casa dorme enquanto a madrugada fria conta as horas para desaparecer. Clara, sem sono, caminha até a varanda com uma garrafa de vinho e suas fitas K7. Parece querer o silêncio para ouvir seus pensamentos ou a solidão para exorcizar seus conflitos e medos.

Tantos sonhos na mente, em meio a desejos intensos de mudar o mundo. Clara vive seu presente com os olhos no futuro. Quer falar outros idiomas, conhecer outras culturas e alguém que seja interessante. Se revolta com as mesmices e não compreende o porquê dos adultos quererem que os jovens sejam iguais a eles. “As coisas são como são porque poucos tentam algo diferente.” Diz Clara, em rodas de conversas. “Somos errados por tentarmos coisas diferentes; mas quem afirmou que a realidade de um ou de poucos, deveria ser o caminho a ser seguido por muitos?” Questiona sempre Clara, em meio a sua dissertação filosófica sobre a vida, sua fragilidade e a necessidade intensa de se aproveitar melhor o tempo. “Talvez algum dia eles entendam que qualquer evolução passa, obrigatoriamente, pelas tentativas de se fazerem coisas diferentes diante das mesmices que se perpetuam.”

Uma música desconhecida atravessa a porta do cômodo da garagem, despertando a curiosidade de Clara. Bob descansa sua cabeça sobre a mesa parecendo dormir. Por alguns instantes Clara apenas o observa enquanto tenta descobrir quem estaria cantando “Love Is”.

“Essa versão eu não conhecia...” Pergunta Clara aumentando a voz e quebrando a calmaria do ambiente.

Bob levou um susto. Levantou rapidamente a cabeça, perdeu o equilíbrio na cadeira e caiu sentado no chão. Clara não resistiu e começou a rir sem parar; tanto que já encostada na parede, foi descendo lentamente ao chão e entre várias tentativas fracassadas, conseguiu, finalmente, dizer: “Me desculpe.”

Bob tenta se refazer do susto, olha sem graça para Clara e mesmo diante de toda a fúria interna, sorri para ela.

“Se eu fosse um gato, teria perdido uma das minhas vidas agora.” Analisa Bob, tentando mensurar o susto que acabara de levar.

“Desculpe mesmo... Não tive essa intenção.” Diz Clara enxugando os olhos. “O que faz aqui?”

“Estava ouvindo um disco novo.” Responde Bob se levantando.

“Ouvir um disco sozinho num cômodo escuro após uma festa é meio estranho, não?” Pergunta Clara.

“Ser assustado de madrugada neste mesmo cômodo escuro, depois de uma festa é que é estranho.” Defende-se Bob sorrindo. “Aliás, acho que ficar olhando as estrelas quando se deveria curtir a própria festa, é bem mais estranho.”

“Me acompanha em uma garrafa de vinho?” Convida Clara, de saída.


Eles conversarão sobre futilidades e teorias inexplicáveis, trocarão informações sobre músicas e tentarão desvendar segredos escondidos de cada um. Falarão de suas expectativas para o futuro e perceberão mais coisas em comuns do que poderiam imaginar. O Sol aparecerá tão rápido que será possível compreender, num instante, a Teoria Geral da Relatividade. Mas antes, uma estrela cadente cortará o céu e ambos, em segredo, pedirão o mesmo desejo; e os dias seguintes gerarão a mais doce primavera da vida.

(Em breve novos Fragmentos)