Os 70 anos de Ney Matogrosso, um artista livre

Ney Matogrosso chega aos 70 anos com corpinho de 20. A brincadeira pode parecer dispensável quando se fala de um artista do quilate de Ney. Mas não é. Em plena ditadura militar, Ney começou sua carreira no grupo Secos & Molhados. Com o rosto pintado – uma artimanha para disfarçar sua timidez, confessou o artista mais tarde- ele liberou o corpo. Dançou e rebolou na cara dos censores e deu seu recado por meio das canções. Voz, corpo, figurino, adereços, luz, cenário. Tudo, com extrema maestria, passou a fazer parte de sua arte.

O Secos & Molhados durou pouco. Foram apenas dois discos (1973 e 1974). Ney seguiu. Não há um disco – e já são mais de 30 – do qual não se possa tirar pelo menos um sucesso: “Balada do louco”, “Bandido Corazón”, “América do Sul”, “Homem com h”, “Promessas demais”, “Bandoleiro”, “Viajante”, “Seu tipo”, “Poema”…

Durante sua carreira, Ney nunca teve amarras. Ele podia fazer um show totalmente pop, cheio de guitarras, e, no seguinte, revisitar o repertório de Angela Maria ou cantar acompanhado apenas do violão de Raphael Rabello.

Para quem o acompanha nos últimos anos, vale lembrar que, em 2008, Ney levou aos palcos a turnê “Inclassificáveis”, carimbada como pop. O figurino tinha penas, brilho. Ney se trocava no palco e cantava Cazuza, Marcelo Camelo, Arnaldo Antunes, Pedro Luís. Sucesso total. A turnê foi esticada.

O show seguinte, de 2010, chamou Beijo Bandido e trazia canções de amor e alguns clássicos da canção brasileira como “Da cor do pecado” (Bororó), “A distancia” (Roberto e Erasmo Carlos), “Tango para Tereza” (Jair Amorim e Evaldo Gouveia) e “Medo de Amar” (Vinicius de Moraes). Ney apareceu de terno. Usa apenas, além da iluminação, um banquinho como elemento cênico. O público delira da mesma forma. Ney é igualmente genial.

Em junho passado, a jornalista Anna Carolina Lementy, do Blog Mulher 7×7, entrevistou o artista. A pergunta era sobre preconceito. Ney afirmou o ignorar. “Eu ignoro o preconceito. É a minha vida, e não estou nem aí. Ignoro como ignorei a ditadura. Era como se eu vivesse no país mais livre do planeta. Sou uma pessoa que trabalha, que vivi bem a minha vida. É isso que me interessa. Quem vai regular a minha vida privada? O Estado? A Igreja vai opinar? Eu exijo respeito”.

Talvez aí esteja o segredo. Ney é verdadeiramente livre. Sua arte idem. Poucos podem se dar a esse luxo. Sobretudo aos 70 anos, quando a vida, para muitos, parece pesar demais. Parabéns, Ney!

[FONTE: Revista Época]