Festivais apostam na nostalgia

O gigabyte mais afetivo de um iPod guarda os sons da adolescência. Uma guitarra dilacerante, um vocal insubordinado, uma canção de amor pueril (Hendrix, Cobain, Alanis, no meu caso), madeleines musicais que ressuscitam o vendaval de sensações da época com uma escorregada de polegar, trazendo à tona o que o neurocientista Daniel J. Levitin, autor de "A Música no Seu Cérebro", caracterizou, em entrevista recente ao "The New York Times", como "a fase mágica para o amadurecimento do gosto musical, a época em que o que você escuta vira sua insígnia pessoal".

É desnecessário acentuar o valor desse transporte - ou do sabor do primeiro surto de rebeldia acompanhado de AC/DC, Rage Against the Machine ou Deep Purple -, mas o anseio por esse tipo de nostalgia explica o avalanche de bandas noventistas que invade o Brasil neste segundo semestre. Guns n’ Roses, Red Hot Chili Peppers, Faith No More, Pearl Jam, Chris Cornell, do Soundgarden, 311 - são alguns dos nomes que tocam no Rock in Rio, no festival SWU ou em estádios nacionais nos próximos meses. 


O SWU acaba de confirmar Alice in Chains e Stone Temple Pilots, ídolos da mesma leva, seguindo a onda de apelo aos velhos tempos de quem amadureceu na primeira metade dos anos 90, quando o grunge, sonoridade comum entre muitas destas bandas, era a força motriz do rock comercial.

As bandas são uma aposta segura em termos de rentabilidade, pois a faixa etária de 35 a 40 - se pensarmos em quem era adolescente quando o disco "Nevermind", do Nirvana, marco zero do grunge comercial, foi lançado - tem situação financeira mais estável do que a da juventude recém-formada, de 25 aos 30, que não recebe mais mesada, mas ainda pena para se firmar no mercado de trabalho.

Portanto, os trintões devem garantir o grosso dos ingressos do festival, que custam de R$210 por dia a R$535 (não incluindo as áreas VIP) pelos três dias.

"Existe um interesse renovado pelo grunge", conta o vocalista William DuVall, substituto de Layne Staley, que morreu em 2002, viciado em heroína. "Mas acho que isso é por conta da natureza cíclica da música pop, que se refaz de 20 em 20 anos. Nossa banda certamente se beneficia dessa atenção, mas acho que não estaríamos fazendo turnês pelo mundo não fosse o nosso ímpeto de provar, noite após noite, que ainda conseguimos fazer um bom show", completa.

Mesmo assim, a relevância de muitos desses nomes, 15 ou 20 anos depois de seus respectivos apogeus, deixa a desejar e a constelação de ex-estrelas a aportar no Brasil de setembro em diante traça um perfil inexpressivo da atual época áurea dos shows internacionais no país, em que a quantidade aumentou, mas a qualidade manteve a mesma proporção. Axl Rose, do Guns, que vem para o Rock in Rio, estagnou-se há anos e pouco fez além de presepadas quando esteve aqui em 2010. Faith No More, predecessores do rap metal na segunda metade dos anos 80, não lançam um disco há 14 anos. Chris Cornell acaba de reunir o Soundgarden, mas vem em turnê solo. Alice in Chains lançou um único trabalho depois da morte de Staley, elemento chave da banda.

Assim, mesmo com a profusão de talento que navega o circuito internacional, a disponibilidade de turnês devido à crise da indústria fonográfica e a quantidade de dinheiro que é investida nestes eventos, os megafestivais do Brasil continuam periféricos e dessincronizados com o rock atual. 



[FONTE: Jornal O Tempo]