Kurt Cobain para fãs

[FONTE: Globo.com]

Quando um artista fala a um jornalista, o que daquilo é verdade e o que ele gostaria que fosse? Não é difícil as pessoas reinventarem seu passado na tentativa de torná-lo mais glamouroso. O ídolo grunge Kurt Cobain, por mais avesso que fosse aos flashes e às manchetes de tabloides, também cometeu esse pecado. Para quem conhece bem sua trajetória, o longa Kurt Cobain – Retrato de uma ausência, que estreou na sexta-feira (31), é uma boa oportunidade de ver como ele tratava o passado, e como ele o fantasiava também. É uma poesia aos ouvidos dos fãs.

O filme se resume a depoimentos em áudio de Kurt para Michael Azerrad, da Rolling Stone americana. O diretor AJ Schnack editou os melhores momentos das 25 horas de gravação feitas pelo jornalista e cobriu com imagens que remetem aos assuntos abordados: infância, adolescência, doenças, relações familiares, incursão ao mundo da música, fama e abusos da imprensa. Em cinco anos, a vida de Kurt saltou da pequena Aberdeen, no Estado de Washington, para as rádios do mundo, acompanhada de drogas, brilhantismo musical e conflitos entre os integrantes da banda. Um caos de influências, como ele bem se descreveu: niilista e sarcástico, mas também sensível e sincero – exatamente como suas músicas. Kurt começou punk e resolveu misturar a essa atitude e som as baladas dos Beatles e o metal do Black Sabbath. O lado punk é niilista, o beatleômano, sensível e frágil. Foi na infância que sua tia, uma "inspiração", lhe apresentou a música do quarteto de Liverpool, quando "a vida não tinha obstáculos, até os oito anos". Depois, Kurt passou a odiar o mundo (o que futuramente seria amenizado pelo efeito das drogas) e a cultivar uma dor crônica no estômago.

Para assistir ao longa, o espectador precisa saber algumas coisas, já que a obra não traz nenhuma explicação inicial, tampouco uma sugestão sobre o que nela será discutido. Começa com depoimentos e pronto; áudio sobre imagens. Trata-se de um filme sobre Kurt Cobain, líder do Nirvana, banda grunge do começo da década de 90, de Seattle, formada basicamente por Kurt (guitarra), Dave Grohl (bateria) e Krist (ou Chris) Novoselic (baixo). Ele se casou com Courtney Love, líder da banda Hole, e com ela teve uma filha, Frances. A partir daí, todas as outras informações que tiver ajudam para compreender melhor o que é verdade e o que é farsa nos depoimentos de Kurt. Uma mentira que os fãs perceberão é quando ele diz que ganhou duas bolsas para fazer faculdade de Belas Artes. Kurt nem mesmo terminou o ensino médio. Outra falácia é que, em certa época de vacas magras, ele dormia debaixo da ponte. Nenhum especialista no artista encontrou provas sobre essa época.

As entrevistas foram concedidas a Azerrad entre 1992 e 1993, para o livro Come As You Are: The Story of Nirvana, que mostra um Kurt mais paizão, e menos astro-transgressor-viciado-em-heroína. Alvo de duras críticas da imprensa marrom pelo consumo da droga, o casal Kurt Love (e empresários) decidiu abrir algumas portas para que os jornalistas parassem de persegui-los, e o livro seria uma dessas iniciativas. As notícias diziam até que a filha Frances nasceria deformada por conta do vício, o que não aconteceu. Durante as entrevistas, o músico está sóbrio e é totalmente articulado. A imprensa não os deixou em paz e, logo depois, em abril de 1994, ele se matou com um tiro de espingarda na cabeça depois de uma dose cavalar de heroína. O que os fãs verão no filme é um Kurt querendo sempre mostrar a melhor parte, ainda que não esconda o vício e muitos traumas de infância. "Gastava US$ 400 por dia em drogas", confessou. Kurt Cobain – About a Son, no título original, é uma referência à música "About a Girl". Significa "sobre um filho", o filho de pais divorciados e pai ausente – muito do que Kurt diz no filme é para se distinguir de seu progenitor. No fim, ele, que havia sido abandonado pelo pai e levou esse trauma a cabo na vida adulta, abandonou sua própria cria.